Desde o primeiro dia do ano estou sendo interpelada, especialmente por pais e mães divorciados ou em vias de separação, a respeito da obrigatoriedade de vacinarem (ou não) seus filhos contra a covid-19, haja vista divergência de entendimento entre os genitores e a alta polarização política sobre o tema.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso da vacina da Pfizer contra a Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos de idade no Brasil desde o último dia 16 de dezembro, após análise técnica e criteriosa de dados e estudos clínicos conduzidos pelo laboratório.
De acordo com a agência reguladora, a dosagem da vacina (denominada Comirnaty) para a faixa etária será ajustada e terá composição diferente das doses administradas aos vacinados mais velhos. Os frascos, aliás, deverão ser diferenciados pela cor, sendo roxa para adultos e adolescentes e laranja para crianças.
Vale destacar que o uso emergencial da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos nos Estados Unidos foi autorizado pelo Food and Drug Administration (FDA) – órgão semelhante à Anvisa – desde o dia 29 de outubro de 2021, ou seja, há mais de 75 dias, considerando que os testes revelaram que a aplicação nessa faixa etária é tão segura e eficiente quanto nos adultos.
Além disso, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês) também aprovou o uso do imunizante contra a Covid-19 em crianças, conforme decisão divulgada no dia 25 de novembro, a corroborar a segurança para a faixa etária.
O estudo europeu concluiu que “os benefícios da Comirnaty nas crianças de 5 a 11 anos superam os riscos, particularmente naquelas que estão sob condições que aumentam os riscos de Covid-19”.
Em sintonia com os demais órgãos, a Associação Médica Brasileira, AMB, por meio do Comitê Extraordinário de Monitoramento Covid-19, já veio a público manifestar-se “integralmente a favor” da imunização do público infantil.
No que se refere a legislação brasileira, o parágrafo primeiro do artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), determina como “obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”.
Em que pese não haver nenhuma definição e consenso jurídico acerca do conceito de “autoridade sanitária”, parte da doutrina entende que a partir da orientação da agência reguladora no Brasil (Anvisa), surge o dever de vacinação, especialmente porque configurada a situação de emergencialidade.
O ECA estabelece que o cuidado com a saúde dos filhos é um dever inerente ao poder familiar, e assim, a recusa vacinal pode ensejar a aplicação de multa de três a vinte salários mínimos, aplicando-se o dobro em caso de reincidência (o que varia, nos valores atuais, entre R$3.636,00 e R$24.240,00) e até mesmo a perda da guarda e a suspensão do poder familiar, nos casos mais extremos de reincidência.
Nesse sentido, o Enunciado Consolidado nº 26 do IX Fórum Nacional da Justiça Protetiva (FONAJUP), que serve de base para os magistrados que atuam na área da infância em suas decisões e práticas, que foi aprovado em meados de novembro, por unanimidade:
Os pais ou responsáveis legais das crianças e dos adolescentes que não imunizarem seus filhos, por meio de vacina, nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias, inclusive contra COVID 19, podem responder pela infração administrativa do art. 249 do ECA (multa de 3 a 20 salários mínimos e/ou estarem sujeitos à aplicação de uma ou mais medidas previstas no artigo 129 do ECA).
Ademais, a depender da gravidade do ato e do resultado da falta da vacinação, os genitores poderão responder nos termos do Código Penal por lesão corporal, tentativa de homicídio e por crimes contra a saúde pública (epidemia e infração de medida sanitária preventiva).
Ainda, é importante relembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em dezembro de 2020, sobre a obrigatoriedade da vacinação, inclusive a infantil, ao julgar o Recurso Extraordinário RE nº. 1267879, caso em que pais veganos se recusaram a submeter filho menor de idade às vacinações definidas como obrigatórias pelo Ministério da Saúde, em razão de convicções filosóficas.
No que se refere à vacinação compulsória, o artigo 3º, III, letra d, da Lei nº 13.979/20, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, institui comando na mesma linha.
Para o ministro Gilmar Mendes, no julgamento das ADIs 6.586 e 6.587, a vacinação compulsória não pode se traduzir em vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas.
Dessa forma, a vacinação compulsória não significa vacinação à força, sem o consentimento do indivíduo, mas se traduz em restrições para quem se recusa a tomar a vacina, o que pode incluir o impedimento da criança frequentar a escola e demais locais públicos, cabendo ao Estado a impor regras próprias sobre a questão.
Não se deve desconsiderar, ainda, que já foram proferidas diversas decisões no país que impediram a convivência física entre pais e filhos quando algum dos genitores se recusou a receber a vacina contra Covid-19, a demonstrar que os Tribunais têm, sim, privilegiado o melhor interesse da criança sobre o direito parental.
Assim sendo, além da vacina ter se demonstrado método preventivo eficaz, extrai-se que o poder familiar não autoriza que os pais, ainda que invocando convicção filosófica, coloquem em risco a saúde dos filhos, especialmente porque o direito à tutela da vida deve sobrepor-se ao direito de crença.
De mais a mais, deixar a criança vulnerável à enfermidade, torna-a vetor de risco para proliferação de moléstias junto à coletividade, considerando os ciclos inesperados e desconhecidos da doença e suas novas variantes.
Portanto, é dever de todos os pais e responsáveis submeterem os filhos ou tutelados à imunização, visando preservar-lhes a integridade física, uma vez que não se trata de um aspecto de sua própria autonomia privada, mas do direito indisponível à saúde dos filhos e difuso da sociedade contra a disseminação de doenças.
Vale dizer que a vacinação não será obrigatória nos casos em que atestado médico confirme que a criança não deve receber determinado imunizante por motivos de saúde, sendo que em casos nos quais há divergência entre os pais, o assunto poderá ser levado ao Poder Judiciário para solução do conflito, consoante artigo 21 do ECA.
Referências:
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-aprova-vacina-da-pfizer-contra-covid-para-criancas-de-5-a-11-anos
https://www.cnnbrasil.com.br/saude/agencia-dos-eua-autoriza-autoriza-vacina-da-pfizer-para-criancas-de-5-a-11-anos/
https://www.ema.europa.eu/en/news/comirnaty-covid-19-vaccine-ema-recommends-approval-children-aged-5-11
https://amb.org.br/cem-covid/boletim-023-2021-todos-os-adultos-devem-tomar-a-dose-de-reforco-da-vacina-covid-19/
https://drive.google.com/file/d/1mDhBUOcZBDIBx-e4lq_XWsKY6yaa12Yu/view
https://www.defensoria.rs.def.br/no-rs-defensoria-obtem-liminar-que-proibe-pai-de-visitar-filha-de-um-ano-de-idade-por-nao-querer-se-vacinar-contra-a-covid-19